"Tenha em mente que tudo que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações. Receba essa herança, honre-a, acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos." (Albert Einstein)

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sábado, 10 de outubro de 2009

LINGUAGENS: Quando a crase muda o sentido

O emprego da crase costuma desconcertar muita gente. A ponto de ter gerado um balaio de frases inflamadas ou espirituosas de uma turma renomada. O poeta Ferreira Gullar, por exemplo, é autor da sentença "A crase não foi feita para humilhar ninguém", marco da tolerância gramatical ao acento gráfico. O escritor Moacyr Scliar discorda, em uma deliciosa crônica "Tropeçando nos acentos", e afirma que a crase foi feita, sim, para humilhar as pessoas; e o humorista Millôr Fernandes, de forma irônica e jocosa, é taxativo: "ela não existe no Brasil".

O assunto é tão candente que, em 2005, o deputado João Herrmann Neto, que morreu em abril deste ano aos 63 anos, propôs abolir esse acento do português do Brasil por meio do projeto de lei 5.154, pois o considerava "sinal obsoleto, que o povo já fez morrer". Bombardeado, na ocasião, por gramáticos e linguistas que o acusavam de querer abolir um fato sintático como quem revoga a lei da gravidade, Herrmann Neto logo desistiu do projeto.

Sinalizar a contração entre vogais idênticas (no caso, a preposição a e o artigo a) é um desafio que, mesmo quando parece complicado, pode ser intuído pelo usuário do idioma, em regras relativamente simples de ser incorporadas.

Ambiguidade

A grande utilidade do acento de crase no a, entretanto, que faz com que seja descabida a proposta de sua extinção por decreto ou falta de uso, é a assinalada por Luft (Celso Pedro Luft -1921/1995): crase é, antes de mais nada, um imperativo de clareza.

Muitas frases em que a preposição indica uma circunstância (instrumento, meio etc.), em sequências do tipo "preposição a + substantivo feminino singular", podem dificultar a interpretação por parte de um leitor ou ouvinte. Não raro, a ambiguidade se dissolve com a crase - em outras, só o contexto resolve o impasse.

Exemplos de casos em que a crase retira a dúvida de sentido de uma frase, lembrados por Luft em seu livro Decifrando a Crase:

Cheirar a gasolina (aspirar) x cheirar à gasolina (feder a).

A moça correu as cortinas (percorrer) X A moça correu às cortinas. (seguiu em direção a).

O homem pinta a máquina (usa pincel nela) X O homem pinta à máquina (usa uma máquina para pintar).

Referia-se a outra mulher (conversava com ela) X Referia-se à outra mulher (falava dela).

Contexto

O contexto até se encarregaria, diz o autor, de esclarecer a mensagem em casos como: "vimos a cidade"; "viemos a cidade". "conserto a máquina"; "escrevo a máquina". Um usuário do idioma mais atento intui um acento necessário, garantido pelo contexto em que a mensagem se insere, se a finada testemunha do exemplo a seguir destituiu a relatora da OAB ou prestou depoimento:

Morta a testemunha que depôs a relatora da OAB. (???)

Mas, em geral, contextos elípticos ainda deixariam dúvidas em exemplos do tipo: "Fique a vontade onde está".

"Fique a vontade onde está" indica que uma entidade metafísica chamada "vontade" deve se manter suspensa ou que o interlocutor da mensagem deve se sentir confortável?

(Trecho do texto de Luiz Costa Pereira Júnior, retirado do link http://revistalingua.uol.com.br/textos.asp?codigo=11860. Nesse site, você o encontra na íntegra.)

Observação: A dica sobre a crase serve para vocês repensarem a utilidade, muitas vezes, importantíssima e indispensável, pois ela evita, com certeza, ambiguidades indesejadas. Esse texto é apenas uma pincelada sobre o assunto. Estudar as regras ainda é imprescidível para o domínio da tão complicada crase.)

DICALEGAL: Curso gratuito

De cabeça

A Fundação Victor Civita, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, oferecem o curso a distância Cálculo mental, a ser realizado nos meses de outubro, novembro e dezembro. O curso é destinado exclusivamente a professores de 1º ao 5º ano e a coordenadores pedagógicos em atividade. Clique abaixo para obter mais informações e cadastrar-se. As vagas são limitadas. Somente para professores.
http://revistaescola.abril.com.br/avulsas/curso-calculo-mental.shtml  


(Obs.: Não é propaganda, é somente uma dica legal.)

LINGUAGENS: Para um amigo anônimo

O comentário que há pouco li sobre a minha postagem "Há três tipos de professores: os que reclamam, os que explicam e os que inspiram.", de Sathya Baba, rendeu-me boas risadas e depois alguns momentos de reflexão. O comentarista, não identificado, colocou-me em xeque: você é do tipo que inspira?

Será que sou um professor que inspiro, somente explico ou reclamo demais? Realmente, amigo anônimo, acho que me enquadro nos três. Chocado? Não fique. Posso "explicar".

Sou professora de escola pública, como você já deve ter lido em meu perfil, onde me deparo constantemente com alunos desinteressados, sem estímulos, desanimados com os métodos já ultrapassados da escola pública, como o cuspe e giz, ou ainda que perpassam por exemplos familiares inadequados, tendo ainda um agravante: as salas completamente lotadas. É nesse momento que sou a professora que reclama, aquela que sozinha não pode mudar o mundo, mas tenta fazer a sua parte. Como?

Driblando o sistema que impera. Esse espaço aqui que criei, por exemplo,  é para o meu aluno, para o meu colega de profissão, para os amigos, para os curiosos (no sentido positivo da palavra)... Foi a maneira que encontrei de extrapolar, ir além dos limites da sala de aula, que muitas vezes sufoca-me e impossibilita de ir onde eu acho ser impossível. Você acha que agora sou a professora que inspiro? Ainda não. Nessa hora sou a professora que explica mesmo. Aquela convencional. A que precisa repassar o conteúdo, rápido, preciso. Necessário.

Quando inspiro?... Ah!

Inspiro porque consigo enxergar através do meu espelho pessoal a minha inteligência refletida no meu aluno. Sei que inspiro porque não sou professor medíocre que impõe o conteúdo, impossibilitando ao meu educando questionar o aprendido. Não sou insegura. Não tenho medo.

Sou aquela que ensina, também demonstrando que uma coisa é o que é mesmo, relacionanado-a com a realidade em que o rodeia. Não posso deixar de dizer que sou aquela que serve como exemplo, muitas vezes sendo objeto de demonstração. Sei que inspiro porque não ensino tudo, deixo margens para o aluno construir o resto. Não esgoto as possibilidades de compreensão. Confio na capacidade do meu educando. Não sou um ponto-final, sou uma vírgula ou um ponto-e-vírgula. Sou aquela que acha que aprender é descobrir.

Como diz um provérbio chinês: "os professores abrem a porta, mas você precisa entrar sozinho". Sempre digo aos meus alunos que "o professor é um direcionador, a aprendizagem é um ato solitário". Por isso, faço-os descobrir que podem superar a si mesmos.

Sei que nem todas as vezes obtenho sucesso, embora tente  incansavelmente.


Será que agora, amigo anônimo, respondi a sua pergunta? Mesmo assim quero agradecê-lo porque me fez pensar e descobrir que sou sim uma professora inspiradora. Obrigada.

Elisângela Santiago


                           

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

“Há três tipos de professores: os que reclamam, os que explicam e os que inspiram”

Sathya Sai Baba

LINGUAGENS: Professor, a missão que se evapora no ar

Temos duas datas para comemorar o professor: 5 de outubro, dia mundial, e 15 de outubro, nacional. Sem falar no 26 de junho, Dia do Professor de Educação Física.


Do total de 1,8 milhão de mestres lecionando nas escolas brasileiras, um, na verdade uma, teve destaque há poucos dias. Foi a professora gaúcha que fez um aluno pintar a parede da sala de aula na qual ele havia escrito o nome dele.


A escola de Porto Alegre, recém-pintada num mutirão, e a professora viraram notícia no Brasil inteiro. Entrei nos sites de alguns jornais, de propósito nenhum gaúcho, para ver os comentários postados.


Professora, Zeca e pais

Li cerca de 300 comentários, dos quais destaco três pontos. Primeiro, que a maioria absoluta apoiou a professora. Segundo, que muitos lembraram o personagem Zeca de uma novela que acabou de sair do ar. Terceiro, que os pais do aluno foram muito criticados por não darem a devida educação ao filho.


Um comentário em especial ficou gravado na minha cabeça: uma moça de 25 anos falando que no tempo dela - e ressaltava que, pela idade, esse tempo não estava nada longe - além da bronca da professora, certamente levaria uma surra do pai. E disse isso de forma positiva, deixando claro que o pai estaria certo em castigá-la.


À parte a atitude controversa do pai, achei notável a moça demonstrar respeito ao professor, algo raro hoje em dia. Não tenho pesquisa que dê suporte a isso, mas digo com toda certeza que a maioria das pessoas da idade dessa moça para cima guarda do professor uma imagem positiva e reconhece que ele foi importante em sua vida.


Isso difere em muito do que a grande maioria dos estudantes pensa atualmente. Casos de desrespeito e agressões a professores são praticamente diários em todo Brasil.

O professor e o salário

Que a profissão de professor corre o risco de extinção já foi dito e mostrado por pesquisas através das quais vemos que poucos ainda querem assumir os riscos de ensinar.


 (...)
Como escreveu o espanhol Josep Maria Puig, um dos autores de "Educação e Valores" (Summus Editorial, 2007), é preciso "criar uma nova figura educativa que mescle o papel do pedagogo, do educador social e do animador sociocultural e se responsabilize por promover em cada escola todas aquelas atividades que em alguma medida transcendam o trabalho estrito das aulas".


É difícil imaginar como os professores conseguirão cumprir esse papel, se mal dão conta do básico, que é ensinar português, matemática, história, geografia, ciências etc. Não custa lembrar dos casos recentes de livros inadequados que estavam sendo usados para ensinar.


Juntando o salário baixo, que obriga o professor a dar o máximo de aulas para poder sobreviver; e o estresse de classes com excesso de alunos que vão lá com pouca vontade de aprender e muita de fazer outras coisas, a missão do professor é quase impossível mesmo.


Texto de Engel Paschoal, jornalista (Fonte: Uol, Educação)