"Tenha em mente que tudo que você aprende na escola é trabalho de muitas gerações. Receba essa herança, honre-a, acrescente a ela e, um dia, fielmente, deposite-a nas mãos de seus filhos." (Albert Einstein)

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sábado, 5 de junho de 2010

NO DRUGS


Já escrevi sobre esse assunto. Escreverei mais vezes. Observadores, vítimas ou especialistas nesse humano drama, rodeiam na ponta dos pés o enigma de tanto sofrimento. Os viciados em qualquer droga (incluo aí a droga lícita chamada álcool), suas famílias, testemunhas da dor e decadência de pessoas amadas, as vítimas de violência no trânsito ou em casa, todos são matéria de reflexão e perplexidade. Livros, seminários, teses e teorias em abundância são elaborados em cima da primeira pergunta: por que nos drogamos? E a outra grande indagação: como nos salvamos – se nos salvamos – e por que isso é tão difícil?
Nem para uma questão nem para a outra há muita explicação ou lógica. Não é errado dizer que nos drogamos para anestesiar angústia, tristeza e frustração; por onipotência juvenil, do tipo "eu sei me cuidar"; por achar que ficamos mais fortes, mais falantes, mais interessantes. A droga cega para os fatos reais, pois bêbados ou impregnados de outra substância somos importunos, chatos, patéticos. Mas não é só isso: existe um componente imponderável, que chamo voz do vórtice sombrio embaixo dessa escada da vida que tantas vezes subimos pelo lado que desce – ele chama para a autodestruição sem freios. A razão de qualquer vício não está na superfície, não é visível. Muitas vezes mesmo para o mais dedicado terapeuta permanece um enigma, que nem o viciado entende.
Uma vez instalada a adição, o amor da família ou pela família, a ruína financeira, vergonha ou isolamento, pouco adiantam: foi-se o instinto de sobrevivência, último a nos abandonar. Algumas drogas, como o crack (objeto de excelentes campanhas), viciam quase imediatamente. Outras, como o álcool, gozam de criminosa tolerância numa cultura que acha graça dos seus efeitos, ignora seus males e considera natural a propaganda de bebidas, às vezes ligada a esporte ou esportistas. Drogas sintéticas, agora em voga, poriam fim ao poder do traficante, o que não creio. Somos uma geração medicada: remédio para animar, para acalmar, para transar, para sofrer menos, para não sofrer. Para não pensar, talvez: observem mulheres de qualquer classe e idade com aquele típico olhar vazio da "medicada".


Há quem veja no inocente ritual familiar uma das raízes da tragédia: todo mundo bebe, todo mundo brinda; vinho com água para crianças, champanhe na chupeta do que acaba de ser batizado. Não é tão simples assim. Para os mais ignorantes, o primeiro porre na adolescência é um passo iniciático; um pai divide o cigarrinho de maconha com o filho, achando-se liberal; a mãe finge ignorar os olhos injetados, o fracasso na escola. Nem todos entendem que adição, seja de que substância for, não é falta de vergonha ou caráter: é doença grave e sem cura, embora passível de controle. Isso provoca hostilidade, incompreensão e afastamento na família. Além do mais, a maioria dos que bebem ou usam drogas (exceto o crack, que cria dependência quase de imediato) não se vicia, o que torna a questão mais complexa ainda: por que uns sim e outros não?
E como nos salvamos? Qualquer adição, para ser superada, exige um esforço sobre-humano, às vezes pelo resto da existência. A família nem sempre consegue ajudar: o viciado torna-se um estranho, os envolvidos se afastam. Grupos de alcoólicos anônimos e outros são os mais bem-sucedidos, acompanhados de remédios, terapias, quando necessário um período de internação. O medo da morte pode despertar (nem sempre) para a crua realidade; algum novo relacionamento serve de alavanca, se deixar claro: com vício, nada feito.
Os casos de vitória sobre a adição são heroicos; inspiram respeito e admiração; provam que a vida pode superar a morte. Nessa tumultuada arena, a vontade de sair do inferno, o arcaico desejo de sobrevivência, de significado, respeito e reconstrução, às vezes vencem. Ilumina-se o que parecia uma noite definitiva: alguém com alguma ajuda conseguiu abrir a pesada porta para fora dessa prisão, sinal de que outros podem fazer o mesmo.
Lya Luft, escritora
(Fonte: http://veja.abril.com.br)

domingo, 30 de maio de 2010

LINGUAGENS: Meu amigo, o Leitor: marcas para o leitor que eu imagino


Caros visitantes, encontrei este texto em um siteinteressante chamado "Portal Cronópios" e gostei porque me identifiquei muito com ele. Resolvi postá-lo aqui, não na íntegra, porque muito extenso, entretanto escolhi trechos que se assemelham ao meu modo de pensar um 'leitor'. Logo, complemento o texto de Jorge Miguel Marinho com algumas conjecturas minhas (entre parênteses). Neste caso, acabo me despindo e contando um pouco do meu "eu leitor".

O leitor que eu imagino é como o escritor que faz de cada livro a promessa do livro posterior. (Sempre leio um livro pensando no próximo. Amo livros, sobretudo as letras, e sempre os tenho perto de mim.)



Ele sempre termina a leitura de um livro com o sentimento, calmo e voraz, de recomeço. (Quando finalizo um livro, percebo em mim um sentimento de saudades de tudo o que li. Tenho até saudades dos personagens.)

Ele também nunca lê um livro querendo apenas entender ou decifrar o que o livro quer dizer – ele recria o que o livro nem sabe que é capaz de sugerir. (Realmente, não leio um livro para encontrar explicações para o inexplicável. Pelo contrário, reinvento uma nova realidade para a minha realidade.)

(...)
Ele também nunca sabe e nem tem interesse de saber quantos livros leu na vida porque, para o leitor que eu imagino, cada livro que ele leu pelo desfrute do prazer é tanto e cada leitura de cada livro são tantos livros dentro de um livro só, que é impossível até imaginar. (Verdade seja dita. Não sei quantos livros li até hoje. Já li tantos que quando alguém me pergunta sobre algum que já li, perco-me. Às vezes, entrelaço um no outro e nem sei mais o enredo. Só sei que li, isso eu sei.)

Mas ele sabe muito bem que, por pior que seja um livro, pela própria natureza do livro que impõe ao leitor uma atenção e um interesse especial, a vida seria sempre menos do que ela é, sem o livro.

O leitor que eu imagino quer que o livro seja ele, o próprio leitor, e escreve nas beiradas da página o que o livro quis dizer e sobretudo o que não quis dizer – este leitor que eu imagino não tem escrúpulos e muito menos medo de rabiscar o livro para poder assim ficar e existir dentro do livro e fazer de uma palavra, de uma frase, de uma página, ao menos uma parte do seu modo de ser. (Sim, escrever nas bordas do livro é uma mania. Entretanto, só faço isso quando o livro é meu de fato. O que nem sempre o é. E fico sentida de não poder deixar as minhas marcas nele.)

O leitor que eu imagino lê nos livros as situações mais conhecidas por ele sempre com olhos de primeira vez – por isso mesmo ele chama sempre as palavras de um livro de “palavras de revelação”. (Cada livro que leio é uma novidade maravilhosa. Devoro-os, insaciavelmente.)

Quando está lendo, ele fica sempre à distância de meio braço do livro para ficar mais dentro dele. (O livro que estou lendo fica sempre à mão. No chão mesmo, ao lado da minha cama. Perto de mim, prontinho para ser lido.)

Este leitor que eu imagino, não poucas vezes, lê, relê, interrompe a leitura e esquece voluntariamente o livro que tem nas mãos, vivendo a plenitude “provisória” de esquecer o livro, para poder imaginar e sentir saudade dos livros que ainda não leu. (Eu leio vagarosamente aquele livro que estou amando ler para não terminar logo, embora tenha vontade de devorá-lo, comê-lo.)

(...)
O leitor que eu imagino é obstinado por livros, sobretudo pelos livros que ainda não existem e mais ainda por aqueles livros que parecem que nunca vão existir e, além de toda esta obsessão, tem verdadeira adoração pelos livros dos outros, justamente por aqueles que não são os seus. (Realmente, tenho obsessão pelos livros que gosto. E se são emprestados, fica uma vontade de ficar com ele pra mim. Desfazer dele é doloroso. Doído.)

Ao menos muitas vezes ou quase sempre na vida do leitor que eu imagino, ele pede, compra, empresta e até rouba livros sabendo muito bem que ele não vai ter tempo o bastante para ler todos os livros que tem. (Agora, emprestar livros não é muito do meu costume. Tenho medo de os perdê-los. Sou egoísta. Meus livros, não.)

Ele vive – e como vive – todos os personagens possíveis e impossíveis na real fantasia dele e na fantasia real dos livros, porque também sabe e lamenta não ter tempo ao menos suficiente para viver e acolher na sua vida a vida deles. Esta é a marca mais humanamente política do leitor que eu imagino. (Apaixono pelos personagens dos livros. Relembro deles como se fizessem parte de minha realidade.)

Ele lê devagar, senta e lê muito devagar, vive as palavras vagarosamente, mesmo quando a virada da página é mais rápida que o pensamento ávido do que virá depois.

Ele também nunca teve ou terá um autor predileto – ele pode sim ter a predileção por um único escritor. (Não tenho um autor preferido. Gosto de muitos. Embora deleito-me preferencialmente com autores estrangeiros. Entretanto, a literatura brasileira também é importante. Já li  e leio muitos autores brasileiros. Embora, ame os outros.)

(...)
É destino e missão do leitor que eu imagino aprender a escutar as palavras e as idéias e os silêncios de um livro, sem que ele, o livro, faça o menor apelo para ser ouvido pelo leitor – o livro não faz coisa alguma, o livro apenas é.

(...)
O leitor que eu imagino é o personagem principal da história mais incrível que alguém jamais escreveu, mas que parece tão possível para ele como dobrar uma esquina heroicamente, naquele ponto limiar em que viver é uma promessa e o livro existe para fazer viver mais, ao menos um pouco mais ou eternamente, o que é matéria viva e não pode nunca morrer. (Quantas vezes realizei-me nos personagens lidos. Inúmeras vezes.)